Sade ou o Limiar da Transgressão
A vida e a obra do Marquês de Sade representam (têm forçosamente de representar, pela sua radicalidade) o terreno de fronteira onde se interroga o erotismo enquanto força de transgressão. Enquanto transgressão naquilo em que a palavra «trangredir» se entronca no sentido profundo do que significa «o subsersivo». Ou seja no que «subverter» quer dizer para além dos significados que o conceito adquire (e adquiriu) do ponto de vista (ou com uma lógica) meramente politico-ideológica.
4:15 da manhã
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Aqui, subverter significa o inverter (ou a inversão) de uma ordem, seja ela qual for. Embora também se inclua facilmente, neste sentido amplo, a lógica estritamente politico-social e, por arrastamento politico-ideológica a noção que nos interessa tem um espectro maior- toda inversão em qualquer perspectiva de análise da realidade humana. Ora, Sade, quer como «personagem» biográfica quer como autor nas suas obras, imprimiu um cunho de total inversão à realidade e se bem que, de alguma forma, restrito à temática sexual é evidente que daí extraiu como que um sistema filosófico completo, em que tudo o que se tinha (e ainda se tem) por adquirido no plano ético, social etc, se vê reflectido no seu (quase) exacto inverso (o «bem» transforma-se em «mal» e vice versa). Dada a brevidade que caracteriza estes textos, não pretendemos, contudo, intentar aqui a exagese desse sistema pois apenas usaremos a perspectiva aqui esboçada para colocar uma pergunta pertinente para a nossa particular questionação - será Sade um autor verdadeiramente erótico? (Se bem que importe primeiramente dilucidar em que sentido o perguntamos. O que é o mesmo que dizer da necessidade de explicitar o que será aqui «um autor erótico»). Pois bem, é ao mesmo tempo paradigma e a antítese do erótico. Não o dizemos, por amor ao paradoxo, mas apenas para realçar o sentido polissémico do conceito de erotismo ou, quiçá, prevendo já um resultado provável da compreensão do erotismo como algo de paradoxal em si próprio. Assim o é, numa determinada perspectiva que contém uma dimensão negativa (ou negadora) da mensagem ou resultado subjacente à sua obra. O extremar da resolução das dicotomias bem/mal, virtuoso/perverso etc., que, aliás, é acompanhado pela própria descrição circunstanciada de todos os «acontecimentos» que relata nos seus livros (descrição tão radical como a sua «filosofia») pode levar facilmente à rejeição do erotismo enquanto terreno onde se jogam todas essas dicotomias. O que pode levar a considerar a repugnância (a negação) desse extremar como factor des-erotizante. Mas é essa mesma radicalidade que, inversamente, provoca fascínio. Pois bem, mesmo se o próprio Sade jogou com tal paradoxo, usando toda a ambiguidade de tais dicotomias, é exactamente aí que se desvela um dos sentidos do erótico - o erótico é sempre um sentir-se-em-si na sua plenitude de transgressão. É a velha pergunta, haverá sequer erotismo sem alguma transgressão? Ora, nem é só a «narrativa» de «episódios» com conteúdo sexual que convocam o erotismo (é claro que a temática, só por si, se situa, enquanto género literário, no campo do erótico/sexual, pornográfico até); são, sobretudo, os actos de absoluta transgressão (transgressão essa que se caracteriza pela subversão de toda a ordem previamente estabelecida) que evocam a ideia de erotismo enquanto algo de indissociavelmente ligado a um sentido de (total) subversão da realidade humana e que constitui, ainda, uma força libertadora.
Erotismo e Ideologia
Poder-se-á ou dever-se-á tratar o tema do erotismo com distanciamento ou, pelo contrário, com o empenhamento e permeabilidade aos sentimentos que o trabalhar do próprio material desperta? E, caso se opte por uma posição não distanciada (e, por conseguinte e em princípio, cientificamente mais heterodoxa) então isso não implicará uma escolha, digamos que filosofico-existencial de matiz hedonista? Certamente que a resposta é sim quanto a ambas as perguntas: um tratamento não distanciado do tema, assumindo a escolha de um certo hedonismo, que se reputa positivo. Não deixando de ser escolhas são, também, propostas metodológicas, que se traduzem no não enjeitar a contaminação conceitual entre o que se estuda e o substrato ideologico-filosófico em que se acredita. Dito de outro modo, preconiza-se, tão somente, que o mencionado hedonismo se traduz, afinal, na abertura aos múltiplos influxos culturais que são a matéria a explorar. Essa abertura radica então, no pressuposto de que o erotismo é fenómeno positivo (também porque humano) e que deve ser explorado sem preconceitos valorativos negativos. Mas não é uma posição neutra, itere-se que consideramos o erotismo como um fenómeno (globalmente) positivo. E porque não ter algo de active study, mesmo nesta forma peculiar? Ora, clarificar esta posição, permite-nos abrir a porta para o questionamento das matrizes filosofico-ideológicas propriamente ditas, ínsitas nas diferentes atitudes (sociais) perante o conceito de prazer erótico. De qualquer forma, dizer que o prazer erótico poderá, em ideal, proporcionar uma experiência sensória verdadeiramente sinestética seria, antes de mais, desviar o assunto para a problematização estética. Não. O que está em causa não é qualificar ou determinar a ideia (social ou filosófica) de prazer mas, antes, questionar quais as suas implicações sociais/culturais, e, muito concretamente ensaiar uma aproximação à vertente estritamente ideológica, no que concerne às atitudes rigorosamente políticas perante o erotismo e o prazer erótico. Aliás, a nossa tese é muito simples: o erotismo pode e tem todas as características para funcionar como barómetro ideológico numa determinada sociedade: serão as ideias políticas predominantes, de cariz conservador ou progressista, comunidade tendencialmente aberta a uma perspectiva democratizante (ou mesmo democrática) ou com um grupo (ou classe social) permissivo ou permeável a uma perspectiva fortemente lúdica da vida (mesmo que apenas internamente) por oposição a momentos ou grupos sociais mais repressivos (ascensão de uma nova ordem política, reacção a ameaças, etc), que determinam uma disciplina social mais áspera. Enfim a concepção que cada sociedade tem do prazer erótico pode fornecer uma boa resposta aproximativa para uma caracterização das suas vicissitudes políticas e das concepções ideológicas dominantes. Porque, o erotismo, contém em si um apelo de liberdade ou de libertação, que o tornam num tema perigoso, que amiúde, ou reclama urgente regulamentação pelo poder ou é instrumento subversivo, ou ainda, serve de arma de manipulação em favor de interesses. É evidente que não nos arrogamos a pretensão de demonstrar inequivocamente esta ideia, ela própria ainda demasiado difusa, porque, além desta leve abordagem filosófica haveria, ainda, que interpelar o tema do ponto de vista histórico, antropológico, sociológico, enfim um estudo aprofundado que não cabe no âmbito deste artigo. Parece-nos, apenas, que a perspectiva exposta é razoável. Interessa-nos, sobretudo, expô-la, deixando-a em aberto como tema de reflexão, na medida em que se pretende descortinar, concentricamente, o conceito de erotismo.
Apresentação de Nobuyoshi Araki
As fotografias seguintes são do fotógrafo japonês Nobuyoshi Araki (n. 1940). Estas imagens já têm o seu pedigree, isto é não aparecem aqui com uma função meramente ilustrativa de um estilo específico (como as imagens precedentes que exemplificavam os estilos Shunga e Hentai). Isto porque, sendo o fotógrafo em causa um expoente na sua arte já é possível reconhecer um carácter icónico nestas imagens, procuradas com uma determinada intencionalidade estética. Perdoem, até, o número de fotografias, mas a sua beleza torna irrecusável a possibilidade de as não publicar... |
P E R V E R S I Á R I O
- O erotismo... ...ao sabor da pena -
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