Erotismo e Ideologia
Poder-se-á ou dever-se-á tratar o tema do erotismo com distanciamento ou, pelo contrário, com o empenhamento e permeabilidade aos sentimentos que o trabalhar do próprio material desperta? E, caso se opte por uma posição não distanciada (e, por conseguinte e em princípio, cientificamente mais heterodoxa) então isso não implicará uma escolha, digamos que filosofico-existencial de matiz hedonista? Certamente que a resposta é sim quanto a ambas as perguntas: um tratamento não distanciado do tema, assumindo a escolha de um certo hedonismo, que se reputa positivo. Não deixando de ser escolhas são, também, propostas metodológicas, que se traduzem no não enjeitar a contaminação conceitual entre o que se estuda e o substrato ideologico-filosófico em que se acredita. Dito de outro modo, preconiza-se, tão somente, que o mencionado hedonismo se traduz, afinal, na abertura aos múltiplos influxos culturais que são a matéria a explorar. Essa abertura radica então, no pressuposto de que o erotismo é fenómeno positivo (também porque humano) e que deve ser explorado sem preconceitos valorativos negativos. Mas não é uma posição neutra, itere-se que consideramos o erotismo como um fenómeno (globalmente) positivo. E porque não ter algo de active study, mesmo nesta forma peculiar? Ora, clarificar esta posição, permite-nos abrir a porta para o questionamento das matrizes filosofico-ideológicas propriamente ditas, ínsitas nas diferentes atitudes (sociais) perante o conceito de prazer erótico. De qualquer forma, dizer que o prazer erótico poderá, em ideal, proporcionar uma experiência sensória verdadeiramente sinestética seria, antes de mais, desviar o assunto para a problematização estética. Não. O que está em causa não é qualificar ou determinar a ideia (social ou filosófica) de prazer mas, antes, questionar quais as suas implicações sociais/culturais, e, muito concretamente ensaiar uma aproximação à vertente estritamente ideológica, no que concerne às atitudes rigorosamente políticas perante o erotismo e o prazer erótico. Aliás, a nossa tese é muito simples: o erotismo pode e tem todas as características para funcionar como barómetro ideológico numa determinada sociedade: serão as ideias políticas predominantes, de cariz conservador ou progressista, comunidade tendencialmente aberta a uma perspectiva democratizante (ou mesmo democrática) ou com um grupo (ou classe social) permissivo ou permeável a uma perspectiva fortemente lúdica da vida (mesmo que apenas internamente) por oposição a momentos ou grupos sociais mais repressivos (ascensão de uma nova ordem política, reacção a ameaças, etc), que determinam uma disciplina social mais áspera. Enfim a concepção que cada sociedade tem do prazer erótico pode fornecer uma boa resposta aproximativa para uma caracterização das suas vicissitudes políticas e das concepções ideológicas dominantes. Porque, o erotismo, contém em si um apelo de liberdade ou de libertação, que o tornam num tema perigoso, que amiúde, ou reclama urgente regulamentação pelo poder ou é instrumento subversivo, ou ainda, serve de arma de manipulação em favor de interesses. É evidente que não nos arrogamos a pretensão de demonstrar inequivocamente esta ideia, ela própria ainda demasiado difusa, porque, além desta leve abordagem filosófica haveria, ainda, que interpelar o tema do ponto de vista histórico, antropológico, sociológico, enfim um estudo aprofundado que não cabe no âmbito deste artigo. Parece-nos, apenas, que a perspectiva exposta é razoável. Interessa-nos, sobretudo, expô-la, deixando-a em aberto como tema de reflexão, na medida em que se pretende descortinar, concentricamente, o conceito de erotismo. |
P E R V E R S I Á R I O
- O erotismo... ...ao sabor da pena -
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